Sobre a autorregulação do comportamento na adolescência

Sobre a autorregulação do comportamento na adolescência

5 de janeiro de 2018 Pesquisadores 0

Em concomitância com mudanças fisiológicas em nível cerebral, habilidades cognitivas relacionadas ao controle comportamental maturam principalmente durante a puberdade, uma fase do desenvolvimento que varia muito entre indivíduos em termos da idade de início e duração (Dorn et al., 2006). Uma autorregulação inadequada nessa faixa etária prediz pior saúde física e mental, nível socioeconômico mais baixo, menor sucesso acadêmico e profissional, dependência a substâncias químicas, entre outras características pessoais e sociais negativas na idade adulta e senescência (Moffitt et al., 2011). Assim, para que se possa traçar estratégias de intervenção que permitam dar a jovens as melhores oportunidades de vida possíveis, é crucial entender como se dá esta maturação e quais fatores a influenciam.

O principal objetivo do presente estudo é determinar o curso de desenvolvimento da autorregulação comportamental de acordo com medidas de maturação biológica, ao contrário da maior parte da literatura, que considera apenas a idade cronológica como fator nesse desenvolvimento. Acreditamos que a maturação biológica seja de fato uma variável mais importante, pois o desenvolvimento cerebral que acompanha os estágios puberais atinge áreas cruciais para o bom desempenho autorregulatório do comportamento (ver Blakemore et al., 2010). Consideramos importante avaliar 3 tipos dissociáveis de habilidades autorregulatórias “frias” (Funções Executivas: inibição de respostas automáticas, atualização e alternância), e várias habilidades “quentes”, relacionadas a alerta emocional e impulsividade, comportamento de risco, dificuldade em adiar recompensas. A bateria de medidas incluirá variáveis representativas das habilidades sob estudo que são de domínio público e que não requerem software/equipamentos sofisticados, com o fito de democratizar sua aplicabilidade e aumentar a oportunidade de replicação dos dados. Todas essasa medidas serão disponibilizadas gratuitamente para os interessados.

A puberdade, evidentemente, não afeta habilidades cognitivas isoladamente. Portanto, sob uma perspectiva multidisciplinar é necessário também estudar a influência de fatores biopsicossociais que afetam o desempenho autorregulatório e podem ser influenciados pela maturação sexual: sexo dos adolescentes, capacidade de memória operacional e condições de vida atual e pregressa, como nível socioeconômico, estresse ao longo da vida, etc.

Entender como esses fatores se associam pode permitir apontar possíveis intervenções susceptíveis ao aprimoramento do desenvolvimento pleno de adolescentes.

Vale ressaltar que há muito se reconhece que crianças mais jovens, em comparação às mais velhas dentro de um mesmo ano escolar, apresentam desvantagens cognitivas e que isto está associado a pior autoestima e mais comportamentos potencialmente danosos (Crawford et al., 2007, 2010, 2014). Este fenômeno se extende dos primeiros anos de escolarização até o sucesso acadêmico na universidade. Se adicionarmos a este fenômeno uma possível progressão diferencial no desenvolvimento cognitivo decorrente de maturação sexual, poder-se-á identificar jovens mais susceptíveis a ter dificuldades acadêmicas; isto é, aqueles mais jovens e com desenvolvimento puberal mais tardio em comparação a seus pares.

Ainda, como a autorregulação durante o desenvolvimento puberal exibe grande plasticidade, esta fase da vida consiste em uma janela de oportunidade (Karbach e Unger, 2014) em que podem ser empregadas intervenções individuais (ex. Diamond e Lee, 2011) e em nível educacional (Cowan, 2014; para propostas no Brasil em crianças, ver Dias e Seabra, 2015) para melhorar a autorregulação. Todavia, até o presente tais intervenções raramente consideram diferenças entre indivíduos quanto à maturação reprodutiva, tampouco levaram em conta a existência de tipos distintos de autorregulação, como no presente projeto, o que limita essa linha de atuação.

O projeto aqui proposto objetiva também: a) disseminar para diferentes públicos (cientistas, jovens, pais e educadores) as alterações cognitivas, de humor e biológicas que ocorrem durante a adolescência; b) disponibilizar gratuitamente medidas de autorregulação e de avaliação de aspectos psicossociais (questionários) adaptadas para aplicação local e que sejam de domínio público, de modo a democratizar sua aplicação e viabilizar a replicação dos resultados; e c) estudar a adequação de biomarcadores pouco invasivos e de baixo custo na determinação da autorregulação, estagiamento puberal e saúde nessa fase da vida.

Referências bibliográficas

Blakemore S-J, Burnett S, Dahl RE (2010) The Role of Puberty in the Developing Adolescent Brain. Human Brain Mapping, 31:926-933.

Cowan, N. (2014). Working memory underpins cognitive development, learning, and education. Educational psychology review26(2), 197-223.

Crawford, C., Dearden, L., & Meghir, C. (2007). When You Are Born Matters: The Impact of Date of Birth on Child Cognitive Outcomes in England. CEE DP 93. Centre for the Economics of Education. London School of Economics and Political Science, Houghton Street, London, WC2A 2AE, UK.

Crawford C, Dearden L, Meghir C (2010) When you are born matters: the impact of date of birth on educational outcomes in England, IFS Working Paper No. 10/06, Institute for Fiscal Studies.

Crawford, C., Dearden, L., & Greaves, E. (2014). The drivers of month‐of‐birth differences in children’s cognitive and non‐cognitive skills. Journal of the Royal Statistical Society: Series A (Statistics in Society)177(4), 829-860.

Dorn LD, Dahl RE, Woodward HR, Biro F (2006) Defining the boundaries of early adolescence: a user’s guide to assessing pubertal status and pubertal timing in research with adolescents. Applied Developemental Sciences, 10: 30–56.

Diamond, A., & Lee, K. (2011). Interventions shown to aid executive function development in children 4 to 12 years old. Science333(6045), 959-964

Dias NM, Seabra AG (2015) The Promotion of Executive Functioning in a Brazilian Public School: A Pilot Study. The Spanish Journal of Psychology, 18:E8, 2015.

Karbach J, Unger K (2014) Executive control training from middle childhood to adolescence. Frontiers in Psychology, 5:390.

Moffitt TE, Arseneault L, Belsky D, Dickson N,  Hancox RJ, Harrington HL, Houts R, Poulton R, Roberts BW, Rossa S, Malcolm R. Sears MR, Thomson WM, Caspia A (2011) A gradient of childhood self-control predicts health, wealth, and public safety. PNAS, 108:2693–2698.

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